Propus-me o desafio de compartilhar minha arte e essência com as pessoas. São tantas coisas, tantos detalhes que às vezes me sinto exausto só de pensar. E olha que muitas coisas já ficaram para trás. Um trabalho árduo que por muitas vezes me tentou a pensar seriamente em desistir. Mas não se trata mais só de mim. O sonho já é de todos nós, vocês que me apoiam a cada nova história contada e anseiam pelo meu som. Por isso sigo, não só mais por mim, mas por nós.

Entre tantos desafios me impeli por gratidão, mas muito mais pelo carinho, a homenagear, justamente, aqueles que estão ao meu lado nessa empreitada. É certo que o contato com alguns se perdeu temporariamente, afinal, a vida segue, e infelizmente ainda não é da minha arte que eles sobrevivem. Mas a cada audição das mixagens, acesso as fotos arquivadas, ou acordes em meu violão para novas composições, estão todos reunidos em minhas lembranças. Foram dias intensos, de extrema realização e felicidade.

E entre os profissionais da música estavam infiltrados dois amadores. No sentido literal da palavra: alguém que exerce determinada atividade por puro gosto, sem remuneração – de acordo com o dicionário. Eu, idealizador deste projeto, e o amigo Flávio Hernandes. Nos conhecemos em 2011. Será? Já não sei ao certo.

Me dói na alma que seja preciso fluência em outro idioma para aumentar suas chances de ser bem sucedido profissionalmente e desfrutar de uma vida digna em seu próprio país. Mas essas são as regras do mundo corporativo que eu havia deixado em 2006 e me via novamente obrigado a pertencer para financiar meu sonho, já que nesse período a vida de músico de bar não me rendeu muito mais além da refeição na noite de trabalho e os custos com o transporte. Triste realidade.

Nessas condições só havia uma opção para dar um “up” no currículo: recorrer a um curso de inglês. Curso popular, pois não tinha recursos para bancar nada além disso. Necessidade totalmente preenchida pelo “Projeto Inglês para são Paulo”. O temido primeiro dia de aula logo me traria uma grata surpresa. A dinâmica era de um cursinho pré-vestibular. Sala lotada, cerca de 50 alunos, caixas de som, palco e microfone para o teacher Flávio Notaroberto.

Que energia e humor aquele baixinho, carequinha e gordinho tinha, além de um tremendo “sexy apple”, evidenciado com seu bordão: “Me liga, baby!” (rs estou apenas reproduzindo a sua auto descrição rs). Me cativou instantaneamente. Foi quando me dei conta de que estava na primeira fileira e que logo seria alvo de alguma de suas piadinhas. Chamado ao palco para empunhar o microfone e continuar um improviso vocal no estilo do blues, lá fui eu.

Então notei a figura do assistente de aula, que diferente do teacher, me pareceu tímido para a função. Não via nele a mesma desenvoltura. Agarrado ao violão e executando um riff básico de blues não me chamou muita atenção, mesmo porque eu me encontrava diante de 50 pessoas e grunhindo qualquer coisa no microfone, acho que nada me chamaria atenção naquele momento de “mico” total. Mas acho que consegui demonstrar um pouco da minha veia artística, pois logo ao final da performance o teacher concluiu que eu era envolvido com música, conclusão que se mostrou acertada quando me apresentei como baterista.

Fui então convidado a tocar cajon no final da aula – toda aula terminava com uma performance musical do teacher e seu assistente. Atividade que fui incluído, e assim permaneceu até o final do curso, dois anos e três módulos depois, chamado ao palco sempre sob o nome artístico dado pelo teacher: “The Caveman” (rs). Tempo suficiente para perceber que não se tratava apenas de timidez a postura do assistente de palco. Seu olhar e trato com as pessoas era de uma humildade, generosidade e carinho enormes.

Atenção que cativava a todos. Além do seu evidente talento musical. Nos entrosamos rapidamente, e sem qualquer ensaio estávamos lá todo final de aula animando os alunos. Que pessoa maravilhosa o Hernandes, de sorriso fácil e sincero abraçava a todos com linda naturalidade e bondade. Carisma que me arrebatou e colocou a ideia fixa na cabeça de que estaríamos juntos em algum momento dessa minha caminhada musical. E quando o projeto do EP começou a sair do papel a única certeza que havia era de quem seria o baixista: Hernandes.

Lembro de ter ido ao show de uma de suas bandas, Banda Mutualista, sem muita expectativa, o interesse mesmo era prestigiar e apoiar meu mais novo amigo. O violão das aulas fora substituído pelo baixo preciso, pulsante e envolvente, com destaque para a execução da faixa “Esquadrilha da Fumaça”. Tudo conspirou para que pudéssemos desfrutar desse sonho musical juntos.

Ao chegar no estúdio, no primeiro dos dois ensaios antes da gravação, o ambiente se ascendeu e aqueles que não o conheciam foram imediatamente conquistados. Sua gana e felicidade de estar ali eram evidentes e contagiantes. No dia da gravação não hesitou em ajudar no transporte dos instrumentos e da galera até o estúdio. Ao adentrarmos o salão do NaCena Studios fui gratamente recompensado ao ver o brilho em seus olhos.

Eu já havia estado ali antes, mas o êxtase era enorme por estar de volta com o meu projeto. Aos profissionais coube o procedimento padrão de montagem dos equipamentos sem qualquer sobressalto. Enquanto que para o Hernandes e eu faltavam o espaço no rosto para o sorriso se abrir mais, e as palavras para descrever o entusiasmo por desfrutarmos de tamanha estrutura e profissionalismo. Feliz por saber que estarei eternamente nas lembranças dessa pessoa maravilhosa por proporcionar a ela uma experiência inédita e de tamanha felicidade.

Já ali comecei a cumprir um dos objetivos do meu projeto: me realizar e dar condições para a realização de todos os envolvidos. Em momento de graça diante do som que estávamos fazendo naquele dia, inesquecível para ambos, o Hernandes conclui e questiona: “Théo, você está nas nuvens, não?”. Ao que respondo: “Sim, em nuvens carregadas que irão desaguar sobre as sementes plantadas para semeá-las e darem belos frutos”.