No post anterior – “Théo – Na Rua Clélia” – disse que meu próximo texto seria sobre a apresentação na Feira de Artes da Pompéia. E de uma maneira inesperada ainda tratarei sobre o assunto, mas por caminhos não tão diretos. O fato é que se passou muito tempo desde a apresentação – estou devendo maior frequência nas postagens do blog =/ – e um novo acontecimento provocou sentimentos intensos que precisam ser expostos imediatamente.

Me questionar é um exercício diário, mais do que exercício, é um vício. Sou muito rigoroso comigo mesmo, me cobro em demasia às vezes, confesso. Mas não consigo relaxar, e quando me dou conta já se passaram dias refletindo sobre um mesmo tema. E nesse início de carreira como cantor e compositor os questionamentos internos e externos geralmente são sobre a minha presença de palco e a qualidade do meu trabalho. Imagine como não deve ser difícil para um baterista sair de trás da bateria e passar a atuar como “front man” e “band leader”.

Com a Fabulosa Banda do Curinga nos estúdios da TRAMA. (reprodução internet)

São inúmeros os exemplos de sucesso de bateristas que tomaram esse mesmo caminho que trilho agora: Dave Grohl, Ringo Starr, Phil Collins, Iggy Pop, Lobão, Digão, Curumin… E Otto! Otto não foi exatamente um baterista, mas pertenceu a família musical rítmica quando percussionista das bandas Nação Zumbi e Mundo Livre S/A. Chegamos então ao personagem que, ao mesmo tempo, provocou uma profunda reflexão sobre meu trabalho como cantor e compositor e ainda estabeleceu uma conexão com minha apresentação na Feira da Pompéia.

Recentemente fui ao show do Otto no Sesc Bom Retiro. Confesso, até aquele dia, não ter conhecimento profundo sobre ele ou sua obra. Tinha vaga lembrança de alguns versos que balbuciava em referência a música “Bob”, não me saia da cabeça aquela parte “Ela é do tempo do Bob, lá do Pina de Copacabana”, achava a melodia divertida. Outro verso de Otto que adorava era “Acabo de comprar uma TV a Cabo”, da música “TV a Cabo”. Essa última me pego cantarolando com frequência até os dias de hoje. Ambas as músicas são parte do disco “Samba pra burro” de 1998.

Era meu início como espectador da MTV Brasil, e me causava estranheza ter impregnadas em minha mente as melodias e letras de Otto, cantor cuja a música e estética em nada se aproximavam do gosto de um adolescente de 14 anos no fim dos anos 90 totalmente apaixonado pelo rock americano (do grunge do Pearl Jam ao heavy metal do Metallica). O “alternativo brasileiro” ou a “MPB contemporânea” eram universos desconhecidos para mim, e os clipes de Otto certamente não me diziam nada, achava coisa de “doido”.

Muito tempo se passou, e para mim Otto permanecia sendo apenas dois trechos de letras e melodias que cantarolava vez ou outra. Até que na Fabulosa Banda do Curinga a música de Otto ressurgi em minha vida: “Crua” foi a música escolhida por Marquinhos Palmah, convidado de um dos shows do projeto “Fabulosa Convida”. Ali me deparei com um artista reconhecido e muito bem conceituado no cenário musical nacional e internacional. Otto era aclamado por seu mais recente trabalho, o disco “Certo dia acordei de sonhos intranquilos” (2009). Pra dizer sobre o impacto desse momento em mim e o restante da banda faço uso das palavras publicadas no Blog Oficial do Projeto Fabulosa Convida:

“… quando ele mostrou a música para nós, não teve jeito… “Há sempre um lado que pesa e um outro lado que flutua“, fez a gente ensaiar com a maior empolgação que tinha naquele estúdio, ensinou para nós um pouco do que é ser visceral.” – Igor Fediczko para o Blog do Fabulosa Convida em 15 de março de 2010.

Alguns integrantes da banda passaram então a acompanhar Otto mais de perto e foram conferir suas performances ao vivo. E por mais que “Crua” tenha me arrebatado, ainda havia certa resistência em conhecer mais profundamente aquele artista que me causou certa estranheza na adolescência. Confesso ainda não ter atingido maturidade suficiente para assimilar Otto naquele momento.

Anos mais tarde surge a oportunidade de assistir a um show de Otto. Há poucos dias estive diante desse cara que em meus pensamentos aparecia sempre como um ponto de interrogação (?). Nos dias 04, 05 e 06 de julho Otto subiu ao palco do Sesc Bom Retiro, e assim como eu, também experimentava naqueles dias algo novo em sua vida. Ele se apresentou em formato inédito, intimista, e pela primeira vez incluiu o piano em seu show. Mesmo curioso para saber o que estava por vir, me contive e deixei de pesquisar sobre Otto antes do show, algo que sempre faço quando na eminencia de assistir a apresentação de um artista que não conheço bem. Mas quis me permitir a surpresa total.

O show foi demais! Renovador e inspirador ver a performance de Otto. Muitas vezes me deu impressão de certo descaso com a canção, falta de técnica e afinação na hora de cantar, mas tudo devidamente equilibrado e compensado por sua verdade, simpatia, entrega, maturidade artística, qualidade absurda das composições e escolha do repertório. Tenho muito o que aprender para me tornar um verdadeiro artista, foi isso o que Otto me mostrou, e mesmo diante do questionamento que isso me causou, me trouxe também o sorriso pela consciência de que ainda estou só no começo, reafirmando dentro de mim que a humildade é com certeza um dos principais atributos que o verdadeiro artista deve carregar consigo para todo o sempre. Otto, obrigado por proporcionar e compartilhar comigo a experiência de se viver o amor pleno em cima de um palco.

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Otto em show inédito no Sesc Bom Retiro. (reprodução internet)

Nas minhas pesquisas pós show, afim de conhecer mais profundamente sua obra e trajetória, me deparo com a seguinte afirmação: “Otto não é um cara fácil de entender”, em matéria da revista Veja. Sim, lá nos meus 14 anos de idade, no final da década de 90, isso faria total sentido pra mim. Mas após viver Otto de perto, após presenciar a atmosfera daquele teatro no Sesc Bom Retiro, onde o público e o artista interagiram de maneira tão bela e natural, não posso aceitar uma afirmação como essa. Otto não é para ser entendido, Otto é para ser sentido.

E a feira da Pompéia?

Durante show na 27ª Feira de Artes da Pompéia (Priscila Cunha)

Pois é, ainda existe essa conexão para explicar. No show que fiz na Feira da Pompéia optei pelo formato solo. Na hora de montar o repertório procurei pensar no que poderia soar legal e levantar a galera estando acompanhado apenas de meu violão. Uma música surge em minha memória recente: “Carcará”. Apresentada a mim por meu pai – e suas raízes nordestinas – quando ele insistiu para que eu procurasse na internet a cifra de uma música que tocava na trilha da novela “Cordel Encantado”. Não encontrei a cifra, mas a música era uma versão de Otto para “Carcará”. Ouvimos muitas vezes até tirarmos a música “de ouvido” e decorar sua letra e melodia. Depois de pesquisar mais um pouco descobri que se tratava de uma composição de João do Vale, muito conhecida pela participação de Chico Buarque na regravação de 1982. Outra versão famosa, e minha preferida, é de Maria Bethânia, que com apenas 17 anos fez uma interpretação de arrepiar e tirar o fôlego.

Funcionou, “Carcará” levantou o público e desde então é parte fundamental do repertório em meus shows. E apesar de já ter se passado um certo tempo, os sentimentos e realizações daquele dia na Feira da Pompéia não se perderam. Resumo este capítulo da minha curta carreira até aqui dizendo: “Senti uma felicidade imensa ao realizar o sonho da vida de um artista que nasceu e cresceu no bairro da Pompéia, e que desde a primeira composição imaginou o dia em que estaria nos palcos daquela Feira, que por muitos anos frequentei apenas como visitante e admirador”.

Abaixo minha versão voz e violão para essa linda canção, e também as versões de Otto (2009), de João do Vale com Chico Buarque (1982) e da arrebatadora Maria Bethânia (1965).