Os leitores do Blog já sabem da perspectiva pessoal de meus posts, mas se você é novo por aqui, e chegou esperando encontrar um relato frio sobre os acontecimentos da Semana Internacional de Música São Paulo 2014, a SIM São Paulo, poderá se surpreender com a exposição dos meus sentimentos sinceros.

A SIM São Paulo é uma convenção que propõe a discussão do mercado da música ao mesmo tempo em que realiza e apoia apresentações musicais pela cidade. Baseada em eventos internacionais já estabelecidos e consagrados por todo o mundo, em 2014 a SIM São Paulo chegou a sua segunda edição com programação que contou com mais de 30 palestras, workshops, debates e shows de 04 a 07 de dezembro.

Quando soube do evento me interessei imediatamente, mas depois surgiu a dúvida se era para mim. Afinal, ainda sou um amador da música. A programação parecia destinada para profissionais de produtoras, gravadoras, selos, distribuidoras e agentes culturais com a promessa de rodadas de negócios e networking. Contei sobre o evento para amigos dessas áreas e eles se animaram em participar. Pensei, então, que na companhia deles eu não me sentiria um peixe fora d’água e me convenci de que o investimento seria válido.

Pronto para o primeiro dia: bloco de notas, credencial, cartões e CDs, tudo pronto.

Pronto para o primeiro dia: bloco de notas, credencial, cartões e CDs, tudo pronto 😉

Na manhã do dia 04 acordei empolgado e com certa ansiedade. Os amigos que me prometeram companhia não puderam participar e me vi sozinho a caminho da Praça das Artes, local que concentrou as atividades da convenção. Sou tímido, confesso insegurança diante de situações novas e de caráter imprevisível. O certo é que teria que me articular durante os próximos dias com profissionais das mais diversas áreas do mercado da música. Não sabia se deveria me comportar como vendedor buscando despertar o interesse de uma produtora cultural, jornalistas, selos, representantes de festivais e rádios em meu trabalho, ou se deveria permanecer em meu papel natural de artista que acredita na sua obra como ferramenta poderosa para o desenvolvimento cultural, social e humano da sociedade.

Ainda em dúvida de como me comportar peguei minha credencial e fui assistir à palestra inaugural “O Ecossistema da Música no Século XXI”. Procurando lugar para me sentar ouviu alguém: “Théo?”. O rosto era familiar. Rapidamente acenei positivamente e pedi para sentar ao seu lado. Interagi com naturalidade. Enquanto conversávamos sobre o evento e o porquê estávamos ali, vasculhava minha memória freneticamente em busca daquela pessoa. rs Até que foi possível ler o nome na credencial em seu pescoço e, finalmente, a conexão se estabeleceu em minha mente: “Esse é o Adilson, trabalhava na secretaria da escola de música onde estudei piano em 2008/2009”. Hoje ele trabalha como produtor musical em um estúdio focado em jingles publicitários. A palestra foi morna e minha suspeita inicial permanecia: “Seria um evento voltado aos profissionais de produção e área comercial?”.

Já na área do bar/restaurante Adilson e eu discutíamos onde iríamos almoçar. As opções ali dentro eram limitadas e caras. Adilson avista um conhecido e vai cumprimentá-lo. Com seu conhecido havia uma pessoa que nos foi apresentada: “Esse é o Luis Aranha, músico, cantor e compositor”. De repente estávamos Adilson, Luis e eu discutindo sobre o almoço. Luis é morador do centro e sugeriu um “dogão” na rua. Saímos e Adilson optou por comer uma fatia de pizza. Luis e eu continuamos nossa peregrinação pelo centro e ele se lembrou do Restaurante Ita, “o melhor PF (prato feito) de São Paulo” disse. Fomos lá e adorei =)

Luis se tornou companheiro de todos os dias na SIM. Impressionante a conexão entre nós. Essências, valores e a certeza do valor da nossa música nos aproximaram e o papo rolava empolgado entre uma palestra e outra, mas principalmente no horário do almoço, momento de rodar o centro de São Paulo em busca do famoso BOM, BONITO e BARATO. rs E entre uma garfada e outra a reflexão, o desabafo, os planos e até mesmo a intimidade de velhos amigos. Por intermédio de Luis conheci Edu Sereno e Daniella Alcarpe, também cantores e compositores. Agora, entre meus iguais, a perspectiva mudava e a SIM deixava de ser uma oportunidade de negócios para se tornar uma oportunidade de comunhão entre os de mesma essência e crença na sua arte como ferramenta poderosa de transformação social e espiritual =)

Presentes dos amigos Luis Aranha, Edu Sereno e Daniella Alcarpe =)

Presentes dos amigos Luis Aranha, Edu Sereno e Daniella Alcarpe =)

O destaque do primeiro dia foi o debate “Modelo de Negócios e de Administração de Carreiras no Mercado da Música Hoje”. Com a presença de Heloisa Aidar (Tulipa Ruiz/Pommelo Produções), Felipe Simas (Tiago Iorc), Evandro Fióti (Emicida e Rael/Laboratório Fantasma) e Ana Paula Verissimo e Veronica Pessoa (Marcelo Jeneci e O Terno/Pessoa Produtora).

A paixão com que falaram sobre sua relação de parceria com os artistas foi inspiradora e até emocionou. Uma pessoa da plateia perguntou como eles se sentiam ao negarem trabalhar com novos artistas que os procuravam, imaginando que tal negativa deveria frustrar muito esses artistas. Sem pretensão de se tornarem uma estrutura gigantesca, eles explicaram que infelizmente não conseguem atender além dos atuais artistas que representam, sentindo por não poderem ajudar no trabalho de muitas pessoas talentosas que os procuram. E antes que o debate encerrasse em clima de desesperança pedi a palavra:

“Boa tarde a todos, me chamo Théo. Sou músico, cantor e compositor independente. Quero dividir com vocês um episódio que vivi com o Felipe Simas. Tomei conhecimento do seu trabalho junto ao Tiago Iorc em uma matéria que contava como os dois articularam uma turnê por teatros do Brasil. Fiquei encantado ao perceber que não existia uma relação entre eles como imaginava: o empresário manda e o artista obedece. Felipe entende, respeita e, acima de tudo, acredita na essência do trabalho de Tiago. Percebendo a natureza introspectiva do artista, Felipe propôs uma turnê “Voz e Violão” por teatros. Exatamente o que pensei para o meu projeto desde o início, shows em teatros. E mesmo tendo contrato com gravadora, o apoio que recebem se resume a grana pra gravar o CD. O resto é iniciativa dos dois, que não esperaram sentados o telefone tocar contratando o show. Fizeram acontecer! Entrei em contato com o Felipe para perguntar sobre seu trabalho de Gerenciamento de Carreira. Acostumado a não ter qualquer tipo de retorno dos produtores, jornalistas, empresários e curadores culturais que tentei contato anteriormente, me surpreendi positivamente com o retorno do Felipe. E mesmo diante da sua negativa tive minha dignidade resgatada. No meu caso não houve frustação, ao contrário, houve a renovação da esperança, sentimento que sinto novamente diante do depoimento de todos nesse debate. Espero ter a sorte de encontrar pessoas como vocês em meu caminho.”

Debate: “Modelo de Negócios e de Administração de Carreiras no Mercado da Música Hoje” / Foto por Tulipa Ruiz

Debate: “Modelo de Negócios e de Administração de Carreiras” / Foto por Tulipa Ruiz

Quando fui cumprimentá-los, parabenizá-los e agradecê-los pelo lindo debate, fui surpreendido:

“Menino, que depoimento lindo! Quase chorei.” – Ana Paula Verissimo/Pessoa Produtora.

“Você encerrou com chave de ouro o debate!” – Felipe Simas.

Mais uma vez dando mostra da sua sensibilidade e personalidade amistosa, Felipe me convidou para assistir ao show do Tiago Iorc que aconteceria domingo, 07 de dezembro, no Theatro NET SP. Os ingressos estavam esgotados e poderia presenciar pessoalmente o sucesso dessa parceria entre o Felipe e o Tiago. O sorriso se abriu em gratidão e aceitei prontamente seu convite. (tudo sobre o show no próximo post)

Esse primeiro dia ainda me reservou uma grata surpresa: apresentação dos amigos da banda Capela. Fiquei feliz demais em reencontrá-los para poder dizer pessoalmente sobre a minha torcida por eles e brincar: “Pô, vocês estão em todos os lugares! Na TV (participaram do programa Breakout Brasil do canal SONY), fazendo shows em todo canto da cidade e “bombando” nas redes sociais.”. Retribuíram com elogios ao clipe “Dias de Paz”, abraços carinhosos e apoio sincero ao meu trabalho =)

Os amigos da banda Capela na SIM São Paulo 2014 / Foto por Isabelle Andreoli

Os amigos da banda Capela na SIM São Paulo 2014 / Foto por Isabelle Andreoli

Já “enturmado” e relaxado, no segundo dia da SIM prestei mais atenção na linda Praça das Artes. Não conhecia. Fiquei impressionado com a beleza e estrutura do local. Não consigo pensar em lugar melhor para receber o evento. Meus parabéns a todos os envolvidos!

A primeira palestra do dia, “Hábitos Culturais e Formação de Público para a Música”, chocou muitos dos artistas presentes ao desconstruir a visão romântica sobre a nossa obra. Pois é, hoje em dia quem não entende sua obra e carreira como um produto que precisa ser comercializado e gerar lucro patina na hora de buscar um espaço no mercado. Diante de tantos fluxogramas, matrizes e análises me senti novamente na sala de aula da faculdade de Publicidade e Propaganda. rs

O assunto foi retomado no bate-papo “A Visão do Artista Sobre o Novo Mercado da Música”, que levantou questões polêmicas e provocou debate acalorado entre o público e os artistas presentes na mesa: China, Irina Bertolucci (Garotas Suécas), Karina Buhr, Maurício Pereira, Thiago Pethit e Tim Bernardes (O Terno). E se ao final do primeiro dia saí revigorado, nesse segundo dia saí angustiado e aflito ao constatar que mesmo alcançando uma estabilidade no cenário independente ainda será preciso fazer tudo sozinho.

Achei que fazer tudo sozinho, desde a produção do show, projetos para editais, contato comercial, divulgação, comunicação, etc., etc., etc., e ainda ter que subir no palco e “arrasar” no fim do dia, seria apenas uma fase. Estava redondamente enganado! No mercado independente são raros os que conseguem ter uma estrutura mínima ao seu redor, e mesmo assim ainda precisam fazer muito mais do que “apenas” compor, criar e “arrasar”. Quem não se dispor a fazer tudo isso não terá chances no mercado independente. Mas discordo dos que defendem essa realidade como permanente. Acredito que devemos lutar para estabelecer um patamar mais elevado ao cenário independente, ou então o que será de empresários, produtores, roadies e demais profissionais da música não comercial?

Praça das Artes no Centro de São Paulo

Praça das Artes no centro de São Paulo

Para retomar a empolgação e crença na minha arte independente o terceiro dia da SIM proporcionou um festival que contou com a presença de Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, entre outros destaques da cena contemporânea. Mas chegando lá, novamente um paradoxo se estabeleceu. Materializou-se diante de mim o retrato do mercado independente discutido durante os dias anteriores: a força artística genuína entregue à própria sorte em um cenário sem regras ou caminhos estabelecidos, contando com uma estrutura precária e que, na maioria das vezes, não proporciona condições ideais para que o artista entregue o seu melhor ao público. Condição que não correspondeu a organização impecável apresentada na Praça das Artes durante as palestras, debates e workshops.

Cheguei ao local por volta das 22h e o palco externo, que já deveria estar recebendo o show de China, ainda esteva sendo montado. A expectativa de casa cheia não se confirmou. Às 23h, com meia hora de atraso, Jeneci subiu ao palco interno do Studio Verona enquanto as coisas do lado de fora ainda estavam longe de serem finalizadas. Infelizmente não era possível entender nada do que Jeneci cantava, e dessa vez era evidente a falha humana no processo de mixagem do som. O artista se esforçou para entregar o seu melhor, mas não conseguiu. Antes de deixar o local ouvi o desabafo de Anelis Assumpção que abria os trabalhos no palco externo: “China cancelou seu show por falta de condições de subir ao palco no horário programado. Infelizmente o músico no Brasil… O músico brasileiro não é tratado com respeito e dignidade. Se ainda estou aqui é por respeito e gratidão a vocês. O público é a razão da nossa existência, e por vocês muitas vezes toleramos abusos e condições precárias para mostrarmos o nosso trabalho.”.

Minha participação na SIM São Paulo 2014 encerrou aí, já que não pude comparecer ao Festival Ubuntu no dia seguinte. Voltando pra casa, e durante os dias que seguiram refleti bastante e concluí de maneira resumida:

O mercado musical encontra-se em transição permanente desde o início da chamada “Era Digital”. O individualismo foi amplificado com a possibilidade de gravarmos e divulgarmos a nós mesmos. Não há regras estabelecidas ou filtros, cada um deve buscar sua maneira de sobreviver da música. Os contatos e relações pessoais ainda são diferenciais importantes para se destacar nesse meio, isso nunca mudou e, creio, nunca mudará. O incentivo público é ilusão que premia, na maioria das vezes, aqueles já estabelecidos ou que causa dependência e acomodação que não estimulam a formação de público para novos artistas.

Anelis Assumpção no SIM Live Verona / Foto por José de Holanda

Anelis Assumpção no SIM Live Verona / Foto por José de Holanda