Realmente sou um cara de sorte! Talvez resultado do meu esforço e comprometimento em realizar um grande trabalho. Característica marcante do meu perfil pessoal e profissional, buscar sempre o melhor possível, mesmo que muitas vezes desacreditado ou desestimulado pelas pessoas envolvidas no processo. Mas esse não foi o caso na realização do projeto do meu EP, onde contei com apoio incondicional de todos os envolvidos. Mesmo assim a tarefa foi, e continua sendo, árdua, fato potencializado pelo meu jeito perfeccionista de ser.
Dizem ser essa uma característica das pessoas sob o signo de virgem. Não sou ligado nesse negócio de horóscopo, mas essa realmente é uma característica muito forte em mim. Outra coisa que também coincide com o perfil traçado pela constelação de virgem é meu controle emocional e necessidade de ter tudo bem planejado e organizado. Alguns tacham isso de frieza. Mas só eu sei como é quente conter dentro de mim a explosão de sentimentos que às vezes me tomam: seja a euforia, a tristeza, a dor, a raiva… Tudo acaba virando angústia, só aliviada de duas maneiras: em desabafo aos familiares e amigos ou em novas canções.
Aí a contradição: como se assumir tão sensível e sentimental sob o estigma de um signo racional e frio? Não sei, só sei que situações do cotidiano têm me tocado cada vez mais profundo, seja o retrato da desigualdade e o sofrimento que fazem aumentar o lastro entre o homem e seus verdadeiros valores e essência, seja a demonstração de afeto e amor que renova a esperança de dias melhores e mais justos para todos. Paradoxo que me faz oscilar entre dias amargos e dias açucarados. E apesar das dores que essa sensibilidade possa causar, me sinto feliz por ser assim, pois dessa maneira, mesmo tendo todos os passos planejados, ainda haverá abertura para o imponderado, e nesse caso, a possibilidade de ser surpreendido positivamente. E assim se deu durante todo o processo de produção do meu EP.
O segundo dia de gravações foi o mais cansativo. Já não havia a euforia do primeiro dia e tão pouco o ápice do término que viria no último dia. O meio do caminho se mostrou duro. Nesse dia o Paulo Gianini acumulou as tarefas de produtor musical e instrumentista ao piano e teclado. Tivemos também as cordas e por último teríamos a percussão. Somando 12h do primeiro dia com 10h já corridas do segundo dia tínhamos 22h de estúdio. Senti o cansaço no ambiente. E ainda tinha a percussão.
Não sabia o que esperar. O Paulo insistiu que seria a percussão responsável por acrescentar um molho ao som, uma textura diferenciada. Sem muita convicção concordei e ficou acertado no cronograma, cuidadosamente planejado por mim, que a percussão seria gravada a partir das 22h da noite do segundo dia de estúdio. A surpresa positiva tinha hora e data para acontecer. Há muito ouço o Paulo falar do tal amigo e percussionista Guga Machado. Tive a oportunidade de conhecê-lo rapidamente no aniversário do Paulo dois, ou três anos atrás, não me lembro ao certo. Foi de maneira muito superficial, já que ele chegava e eu estava de saída. Mas a identificação rolou no visual, já que ambos ostentávamos dreads nos cabelos, os meus mais “comportados” descendo pelas costas e os dele amarrados para cima, penteado definido como “mafagafo” por sua tutora na arte da percussão, Lan Lan (história revelada pelo próprio na divulgação do seu trabalho autoral, o CD “Mafagafo Jazz”).
Não foi fácil contar com ele, afinal, músico de mão cheia e bem relacionado, Guga é muito solicitado, com agenda cheia e bem valorizado. Mas usando dessa amizade de longa data, e convicto de que esse era o cara certo para o trabalho, o Paulo intercedeu a meu favor. Disposto a ajudá-lo quando chegou ao estúdio, acompanhei Guga até seu carro esperando fazer força para carregar congas, timbales, pandeiros e outros instrumentos sinônimos de percussão. Que nada, em um pequeno baú estava grande parte do que precisava para dar as minhas músicas o que elas pediam, abandonando o tradicional. Fiquei curioso!
Enquanto a sala era preparada para captar os sons de Guga, ficamos todos reunidos na técnica. Eis que o ambiente se renovou e me senti revigorado. O cansaço foi embora e deu lugar ao colorido trazido por Guga, não só em seus sons, mas também em seu espírito. O ambiente se tornou leve novamente e parecia que estávamos de volta ao primeiro dia de gravação, com muita alegria e euforia. Guga adentrou o ambiente com uma energia totalmente diferente e de muita força. O sorriso e brincadeiras voltaram a reinar.
Já com a “mão na massa” ele não pôde ver, mas todos se olhavam na técnica com brilho no olhar e se sentiam arrepiar com a maneira dele tocar, dialogando com as músicas de maneira que não vislumbrei em meus planos. Foi sensacional! Puro “feeling”, já que ali se deu seu primeiro contato com as canções. Lembro-me até hoje das palavras que enviei para ele em mensagem no dia seguinte a gravação: “Brother, valeu pela “gravina” ontem! Foi demais! Seu astral contagiou todo mundo e deu um “up” na galera que já estava sendo vencida pelo cansaço. Os risos que proporcionou e a alma que colocou nas músicas foram demais. Isso fará a diferença para melhor. Abraços e paz! Théo”.
Minha gratidão e post em homenagem poderiam ter se resumido a essa mensagem enviada, mas achei que era preciso mais. Sua participação em meu EP vai muito além do “rec”, Guga desconstruiu e me ajudou a permanecer contraditório ao estigma do signo de virgem, me proporcionando surpresa sentimental diante de um planejamento cuidadosamente estruturado. Enquanto escrevia esse texto assistia novamente a apresentação de Guga Machado e seu “Mafagafo Jazz” no programa “Showlivre”, e mais uma vez se destacaram o talento, o colorido, a leveza e o “feeling” contagiante desse ser de luz.
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