Essa foi uma semana incrível! As esperanças renovadas com a virada do ano e ingressos na mão para contemplar os primeiros shows de 2014.
Depois de muito tempo trancado em meu próprio universo, olhando apenas para dentro para dar conta de todos os detalhes da gravação e lançamento do meu EP, me senti em débito com minhas inspirações, com minhas aspirações. Senti falta daquele momento em que sou sugado para o universo da música, que tanto amo, que tanto me emociona. Como me faz falta o momento de contemplação, onde os pensamentos se esvaziam e apenas me “ligo” naquilo que está diante dos meus olhos.
O show de Zeca Baleiro, “Líricas”, no Sesc Belenzinho, domingo, me encantou pela simplicidade. A voz e o violão eram o foco do show! O sorriso tomou minha face porque me reconheci ali. Daquele ambiente intimista fui levado ao meu quarto, agarrado em meu violão, cantando meus sentimentos e pensamentos para as paredes, ouvintes generosas da minha obra individual. Mas quando terei, ao invés das paredes, ouvidos generosos para me ouvir? Com essa interrogação deixei aquele Teatro, feliz por ouvir artista e público exaltando seu respeito mútuo. Adoro shows em teatro!
Zeca Baleiro é simples no trato, simpático e de humor bem colocado. Já havia assistido um show seu em formato semelhante. E se não houve grande impacto, se não arrepiei ou fiquei boquiaberto, não saberei explicar o porquê. Aconteceu dessa forma! Saí feliz por ter visto até onde se pode chegar com um trabalho feito com amor. Me senti capaz de estar ali um dia!
A semana seguiu e na quarta-feira a expectativa era grande para o show de Lenine, “Chão”. Confesso não conhecer muito da obra desse grande artista, mas minha afeição por ele é inexplicavelmente natural. Seu carisma e sua música me despertam encantamento! Não esperava muito desse show até assistir sua apresentação no Rock in Rio. Sentado no sofá da sala de casa, de frente para a televisão, permaneci na mesma posição até acabar aquele grande espetáculo. Embora difícil e concorrido, fui presenteado com a possibilidade de conferir esse acontecimento pessoalmente.
O dia chegou e lá fui! A imponência do Teatro do Sesc Pinheiros já me causou arrepios. O palco lindo me fez questionar a possibilidade de ser surpreendido muito além das minhas expectativas: será? Mas sem a banda completa seria possível o ritmo de Lenine me capturar? E essa foi a última dúvida da noite. As luzes se apagaram e a voz a capela de Lenine ecoou: “Isso é só o começo…”.
Seus passos passaram a rodear minha cabeça no mesmo instante em que sua figura se colocava no centro do palco. Daí em diante fica difícil descrever qualquer outro sentimento e sensação. Vivi intensamente aquele estado de contemplação que descrevi no início do texto. Plantei meus pés no chão com tanta intensidade que poderia tê-lo atravessado se não fosse de concreto. Me senti comprimido por uma força imensa. Impossível desviar os cinco sentidos daquela manifestação que se colocou diante de mim. Uma experiência surreal proporcionada pela Deusa Música e o milagre operado nesse ser humano chamado Lenine.
Acabei confrontado com minha pequenez! Se noutro dia me considerei capacitado para estar em um palco apresentando minha obra, ao retomar a consciência depois do show do Lenine já não me senti mais tão capaz e confiante. Artista completo que me mostrou de maneira linda o quanto preciso evoluir como músico, ser humano, compositor e homem de Deus. A humildade me varreu e botou no meu lugar! Lenine cumpriu assim a missão primária da arte: contribuir social, cultural, emocional e espiritualmente para o desenvolvimento humano. Sua poesia, seus acordes, suas melodias, seus olhos fechados, a voz pra fora, a dança da alma são gestos naturais que transformam para melhor.
Totalmente arrebatado pensei que não tomaria consciência de mais nada ao meu redor até acordar no dia seguinte. Mas é claro que uma pessoa tão especial quanto o Lenine estaria cercado por pessoas tão especiais quanto. Então desperto por um instante do meu transe e me dou conta da estrutura fantástica do show. Se sempre me queixo da falta de nitidez e altura da voz nos shows, dessa vez a clareza cristalina e ambiência da voz com certeza foi um dos fatores determinantes para o meu arrebatamento. Cada palavra ia diretamente ao coração, que absorvia seu total significado. Assim também foi com os sons dissonantes do violão e os ruídos espaciais da parafernália tecnológica espalhada pelo palco. E o que dizer da luz, que deu toda a dinâmica para o show? Simplesmente espetacular o trabalho dos profissionais de bastidores. E por sorte pude conhecer dois deles: o Henrique, técnico de PA (som para o público) e o Robson, técnico de luz.
A simpatia dos dois me conquistou! Ficamos ali batendo papo nas escadas do Teatro até sermos adivertidos pelos profissionais do Sesc de que deveríamos desobstruir a passagem e deixar a sala para que pudessem fechá-la. O trabalho de equipe era evidente na fala de Robson, que quando foi elogiado sobre a maneira como a luz conduziu o ritmo do show, prontamente respondeu que isso só fora possível por causa do trabalho desenvolvido pelo Henrique. A humildade também se manifestou quando Henrique disse que mais importante do que um profissional bem preparado tecnicamente, eu precisaria de alguém de confiança e totalmente conectado com minha música e com minha verdade para que o som fosse feito de maneira a valorizar meu trabalho.
Lenine é apenas o centro disseminador da bondade e linda essência das pessoas que o cercam. É um catalisador! Assim me considero também: o que canto, toco e sou é reflexo daqueles que me cercam com sentimentos verdadeiros, apoio, carinho, respeito, amizade, esperança, ensinamentos e o desejo por “Dias de paz”.
E se nessa semana experimentei o paradoxo de renovar a esperança de um dia estar no mesmo palco que o Zeca Baleiro, mas também tomei consciência da longa caminhada que ainda terei que percorrer para chegar a promover um acontecimento como é o Lenine e seu violão ao vivo, a boa notícia é que do “Chão” não passo. Então basta me levantar para seguir em frente e escalar a montanha mais alta.
*Vale ressaltar o maravilhoso trabalho realizado pelo Sesc que possibilita o acesso à cultura de qualidade com preços justos e estrutura de primeiro mundo. Agradecimento especial para o Renato Vieira, profissional do Sesc Belenzinho muito simpático e solicito que fez o favor de entregar meu EP ao Zeca Baleiro. Parabéns e muito obrigado ao Sesc!
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