Desde que criei o site e fiz questão de ter um Blog entre suas seções, tinha vontade de compartilhar por aqui alguns textos meus já publicados em outros Blogs. Mas nunca encontrei o momento ideal para isso. Ontem, entre os posts da minha linha do tempo no Facebook, a Luciana Bobadilha contou a experiência que teve ao ajudar um morador de rua:
“… Ele fez o sinal de sim com a cabeça e ficou me olhando profundamente nos olhos. Eu agachei e perguntei “o que vc ta com vontade de comer?”. Ele nem deixou eu terminar de perguntar e foi logo respondendo “pão de queijo!”. Pão de queijo foi a palavra dica. Deu pra ver que ele não era brasileiro.
Assim que eu entreguei o pão de queijo quentinho na mão dele, ele se levantou, rápido! E como se fosse embora, correu para me dar um abraço… Apertado e cumprido… Confesso que eu não esperava… Indo trabalhar, de salto alto no ponto de ônibus, depois de algumas doses de perfume, recebi um dos abraços mais fortes da minha vida…” – trecho do post da Luciana.
Antes de ter o próprio Blog como parte do meu projeto musical, exercitava a escrita na função de produtor de conteúdo nas agências de mídias digitais por onde passei. Me descobri blogueiro/escritor nesse período. Entre os conteúdos produzidos para os clientes, às vezes cabia a mim publicar no Blog das agências. Com o tempo conquistei a liberdade de escrever sobre temas que, aparentemente, não tinham nenhuma relação com o trabalho das agências. Temas que exaltavam a minha sensibilidade acabaram ganhando destaque em meio aos conteúdos técnicos e se tornaram um diferencial.
O post da Luciana me remeteu a um episódio muito parecido que vivi há algum tempo. Em condições semelhantes, sem o salto alto (rs), me deparei diante de um senhor estrangeiro que pediu ajuda enquanto eu caminhava para o trabalho. A experiência virou post para o Blog da agência que trabalhava na época. Abaixo, a íntegra do texto “Não existe fronteira para a gentileza”, publicado originalmente no Blog da Gaia Creative em 20.04.2012.
Não existe fronteira para a gentileza
Ontem, a caminho do trabalho fiz uma gentileza.
No trajeto do ponto de ônibus até o escritório fui abordado por um senhor que aparentava cansaço. Rosto suado, roupas úmidas, respiração ofegante e as mãos apoiadas na cintura.
Ao passar ao seu lado e ser encarado acenei com a cabeça, sorri e disse olhando em seus olhos: “Bom dia! Tudo bem com o senhor?”. Esta ação se deu enquanto seguia minha caminhada para o trabalho. Até ser interrompido pelo pousar da sua mão em meu ombro esquerdo.
Quase que apoiando totalmente em mim ele respirou profundamente e perguntou: “¿Habla español?”. Respondi automaticamente: “Um poquito. Mas compriendo do que hablo.” (estou rindo neste momento porque me dei conta de como isso deve ter soado ridículo aos seus ouvidos).
E a verdade é que entendi mesmo o que aquele senhor me dizia de maneira calma, apesar do cansaço evidente. Inicialmente revelou sua origem: argentino. Vejam só, justo um argentino. Inimigos mortais do futebol canarinho. Mas como não ligo para tolices como estas, continuei a ouvir atentamente o que ele tinha a me dizer.
Com nostalgia disse que já havia morado no Brasil, quando mais moço. Período em que sua força e frescor jovial lhe garantiam ocupação em qualquer ofício. Não tinha conhecimento do que eram a fome, o frio e a solidão. Sem que precisasse dizer constatei que a atual situação era totalmente oposta. Não que ele estivesse maltrapilho ou coisa parecida. Mas sua cabeça baixa, sua voz para dentro, as costas arcadas, os joelhos flexionados e o olhar vago deixaram transparecer sua angústia e isolamento.
Queria dizer algo, tentar consolá-lo de alguma forma. Mas pensei que talvez ele só quisesse ser ouvido. Afinal, quanta recusa de atenção teve até aquele momento? Fiquei comovido, mas ainda com uma dúvida: de onde vinha, para onde ia e de que forma eu poderia ajudá-lo efetivamente?
Então ele me pede alguma ajuda em dinheiro. Antes que eu pudesse tomar qualquer atitude ele prosseguiu com sua estória. Desta vez, de alguns minutos atrás. Ele seguia para o Shopping Morumbi a pé. A origem da sua caminhada foi no metrô Shopping Sta. Cruz. Para quem não é de São Paulo eu explico que se trata de uma boa distância. E ainda faltava um bocado para chegar ao seu destino.
Curioso, enquanto escrevia este texto, fui até o nosso amigo Google para quantificar, mais ou menos, a distância percorrida por ele até o momento em que nos encontramos e o quanto ele ainda percorreu dali em diante. Sim, ele continuou o resto do percurso a pé, pois o dinheiro que me pediu não era para a passagem. Daqui a pouco explico. Vamos voltar à distância percorrida.
Do metrô Shopping Sta. Cruz até o Shopping Morumbi são aproximadamente 8,0 Km. Até o ponto onde nos encontramos ele já havia percorrido cerca de 4,5 Km. Pouco mais da metade do percurso. Isso explicava seu cabelo grisalho desgrenhado, já que soprava um vento gelado na manhã de ontem. Uma bela caminhada para qualquer um. Imagino que mais penosa para alguém que tem se alimentado e dormido mal.
Com a curiosidade saciada voltemos ao tema central do texto. Desprevenido de dinheiro em espécie vasculhei a carteira atrás de algumas moedas. Devo ter conseguido juntar uns cinco reais que entreguei a ele com satisfação.
Despedimo-nos e ele atravessou a rua em disparada. Entrou no boteco da esquina e foi até o balcão. À distância percebo a fumaça que sai de um copo servido de café e leite. Sua mão pegou uma das metades de um pão francês, provavelmente com manteiga, que descansava sobre um prato pequeno de porcelana, habilmente o mergulhou na mistura líquida e o levou a boca.
Naquele momento minha mente se esvaziou e só sobraram as emoções. Com os olhos cheios d’água segui meu caminho. Apenas ecoava naquele vazio de pensamentos o verso de uma canção que diz: “Não existe fronteira de língua. Existe coração latino, nêgo!”*.
*trecho da letra da música “Óbvio” da banda O RAPPA, parte integrante do disco “O silêncio que precede o esporro” do ano de 2003.
Comentários
Camila:
20 de abril de 2012 às 18:02
Olá Théo,
Minha mãe costumava dizer que as coisas que pousam em nós, é por algum motivo, e é sempre bonito. Imaginei a sua situação, mas comecei a ler imaginando uma frustração no final. Muito bom você compartilhar esta história com nós, algumas pessoas não conhecem mais o significado de ‘gentileza’.
Existe uma mulher, que bate a minha porta quase sempre para pedir ‘qualquer coisa’ que não me seja mais útil. Acabo entregando coisas que considero úteis ainda, mas porque me sinto leve quando vejo aquele sorriso tomando conta do rosto dela.
Um beijo.
Priscila:
20 de abril de 2012 às 18:40
Oi Théo,
Espero que o seu texto inspire aos leitores a pensarem mais nesse gesto, a gentileza, que é tão simples e pode mudar muitas coisas na vida de outras pessoas. A gentileza está diretamente ligada aos atos mais simples que podemos imaginar, como os de educação, por exemplo. Você pode mudar o dia de uma pessoa ao dar bom dia, boa tarde, boa noite ou compartilhar um sorriso. Porém, na correria do dia a dia acabamos não dando atenção a esses simples gestos que fazem toda a diferença.
Parabéns pelo texto e, principalmente, pela atitude.
Um beijo apaixonado e um abraço apertado!
Otávio Cardoso:
21 de abril de 2012 às 18:49
Theo,
Sobre ele ser argentino, esta rivalidade estúpida promovida pelos meios de comunicação e que tem como garoto propaganda o Galvão Bueno, não tem o menor fundamento.
Sou casado com uma anglo-argentina e uma vez fui ao casamento de um primo dela na Província de Córdoba, em uma cidadezinha chamada Venado Tuerto. Saí para cortar o cabelo, acompanhado de meu cunhado. Falávamos inglês e o barbeiro perguntou se nós éramos ingleses. Dissemos que não, que ele era argentino e eu, brasileiro.
Imediatamente, ele se empolgou porque soube que eu sou de Santa Catarina, ofereceu mate, mandou a “secretária” buscar café solúvel porque sabe que nós gostamos da bebida e, pasme!, não cobrou o corte ao final. Disse que queria que eu levasse uma boa imagem de sua cidade comigo.
Aquilo me tocou profundamente. Quantas vezes os argentinos que visitam a gente recebem este (ou qualquer) tipo de gentileza da gente? Em geral, todas as vezes que vou à Argentina sou extremamente bem recebido e o simples fato de ser brasileiro e de tratá-los com igual gentileza já me rendeu excelentes experiências.
É bem verdade que há aqueles que visitam as praias para fazer bagunça, mas quem crê que os brasileiros quando visitam a Argentina ou qualquer país não fazem o mesmo ou pior, está muito enganado.