Introdução/Desabafo (leitura opcional)

O mundo tem nos cobrado/exigido cada vez mais rapidez, agilidade, multiplicidade e instantaneidade, mas pouca profundidade. A angústia me toma, e lá estou eu novamente paralisado diante de tantos afazeres e frenesi. Sentimento que muitas vezes desnorteia e põe em xeque minha capacidade e competência. Assim tem sido nos últimos meses sem posts no Blog. Acredito que estou chegando ao limite de fazer tudo sozinho, como reza a cartilha dos artistas independentes.

E nessa montanha russa, em meio a elaborações de projetos para editais, malabarismo financeiro, questionamentos existenciais, problemas de saúde na família, afazeres empresariais e sonhos de uma vida a dois me vejo pegando cada vez menos no violão e entristecendo por não conseguir dar vazão ao que me toma. Muito difícil, para mim, estabelecer prioridades nesse cenário. Confesso! Mas hoje foi preciso parar tudo para me agarrar naquilo que tem me feito, diariamente, lutar bravamente e me manter em pé, mesmo que cambaleando: o amor. O amor é a boia que me mantém na superfície desse imenso oceano revolto.

Me agarrando no amor, com meus pais e a Pri (pro Marco Falkembach)

Me agarrando no amor, com meus pais e a Pri (por Marco Falkembach)

A Violonada

A dúvida era grande entre os participantes: “Violada?”, “Violãonada?”, “Violãozada”, “Violanda?”… O correto é Violonada. E não adianta procurar no dicionário, acabei de dar uma olhada e não há qualquer registro dessa palavra. A busca na internet também não revelou muita coisa, apenas dois vídeos: o primeiro mostra uma cena onde o personagem foge de levar uma pancada com o violão (rs); o segundo é de uma matéria do telejornal “É do Pará”, da TV Liberal, e mostra a reunião de vários músicos violonista integrantes de um projeto social.

Não há duvida de que o segundo vídeo retrata com mais clareza o significado da Violonada que tive o prazer de participar na última terça-feira. Que se não angariou fundos ou tinha um propósito social explícito, no meu entender contribuiu muito para o fomento da cultura artística original e plural, o que de certa forma é também uma enorme contribuição social.

Cerca de duas semanas atrás recebi o convite do amigo, e grande músico violonista, Luis Aranha (já falei dele aqui no Blog), para participar de um evento que ele estava coordenando na Companhia das Cordas, escola de música onde dá aula. Num primeiro momento achei estranho o nome Violonada, nunca tinha ouvido. Luis me explicou a proposta e adorei: reunir músicos, cantores e compositores, amadores e profissionais, artistas e não artistas, que tinham o violão como paixão e parte do seu dia a dia.

violonada_convite

Convite para a Violonada

No dia e hora marcados, 28 de abril às 21h, chego ao local do evento acompanhado da minha namorada, Priscila. Ela, que já se arriscou no violão na adolescência, se animou com a ideia da Violonada quando contei. Além do apoio, sempre estando ao meu lado quando possível, desfrutou de uma noite regada a boa música, boas histórias e aproveitou para praticar mais um pouquinho da sua nova paixão: a fotografia. Faltavam 10 minutos para o início da Violonada, tempo que esperamos passar acomodados na recepção da escola. Me sento, um pouco acanhado e ansioso pelo o que estava por vir. Abraçado ao meu violão percebo a mesma cena ao redor: pessoas e seus violões. “Não poderia ser diferente, afinal, se tratava de uma violonada, seu tonto”, pensei. (rs)

Do meu lado esquerdo reconheço um dos convidados da noite, Daniel Conti. Puxo assunto:

– Você é o…?

– Daniel Conti.

– Ah, isso mesmo! Te reconheci do post que o Luis fez divulgando o evento e marcando os convidados. Muito prazer, eu sou o Théo.

– Prazer.

– Entrei no seu perfil e vi que recentemente foi premiado em um festival.

– Hummm… (pensou). Ah, sim! Peguei terceiro lugar no Festival da Canção de Mogi das Cruzes.

– Parabéns!

A conversa prosseguiu e fiquei sabendo sobre a gravação do seu disco, que se encontra em fase final de produção após dois anos de trabalho intenso para garantir que tudo saia exatamente como imaginou. Admirável sua perseverança! Logo puxei do bag do meu violão o EP “DIAS DE PAZ”, dedicando e presenteando ao simpático Daniel. Mais tarde, após vê-lo em ação com seu violão, pensei se havia sido bom negócio dar meu EP para ele: o cara toca, canta e compõe demais, me senti milhas distantes da sua qualidade. Bateu um receio sobre sua avaliação do meu trabalho. Medo que se desfez diante da sua simpatia e humildade durante a Violonada.

Daniel Conti (por Priscila Cunha)

Daniel Conti (por Priscila Cunha)

Ainda a espera na recepção, observamos a chegada do anfitrião da noite, que com sua costumeira doçura cumprimentou a todos. Diferente dos demais violonistas presentes, vejo que Luis traz consigo um case rígido, proteção necessária para o transporte de um violão feito sob medida para ele. Instrumento que só deixou suas mãos no decorrer da Violonada após a seguinte advertência em tom de piada: “Esse aqui é meu xodó, cuidado!”. Além da qualidade inegável daquele instrumento único, o carinho de Luis também se explica emocionalmente quando ele relata as tardes deliciosas que passou ao lado do luthier que construiu seu violão e que já não está mais entre nós (não lembro o seu nome).

“Ele descrevia o gosto de cada madeira enquanto trabalhava. A serragem que subia enquanto cortava e lixava ficava no ar, e ao entrar por seu nariz, descer por sua garganta e tocar a língua em sua boca revelava o sabor de cada instrumento que criava”, contou Luis. Ao ouvi-lo junto com seu violão, imagino o doce sabor na boca do luthier enquanto construía esse instrumento.

Luis arrumava os últimos detalhes na sala que receberia o evento enquanto ainda aguardávamos na recepção. Eis que chega Edu Sereno (também já falei dele aqui no Blog), com a serenidade que lhe é peculiar, e diz logo ao entrar: “Eita, tá parecendo sala de espera do dentista”. Rimos todos! Sabia que aquela sensação de acanhamento não me era estranha, só faltava aquela tradicional musiquinha ambiente. (rs) Edu tinha total razão em sua observação espontânea. Conhecido de Daniel, os dois logo engataram uma prosa boa.

Edu Sereno (por Priscila Cunha)

Edu Sereno (por Priscila Cunha)

Foi quando notei minha falta de educação e gentiliza ao dar as costas para o casal que estava ao meu lado direito. Apresentei-me. Ele se chamava Rodrigo, ela Tânia:

– Ah, também me chamo Rodrigo. O Théo é de Theodoro. Rodrigo Theodoro. Mas não é nome composto. Todo mundo pensa que é, mas na verdade é sobrenome por parte da minha mãe.

– Pois é, Rodrigo é um nome muito comum. Sempre têm vários e acabam colocando apelido.

– Isso mesmo, na minha sala no colégio tinham quatro Rodrigos. Aí começaram a me chamar de Theodoro e depois virou Théo. Rodrigo, hoje em dia, só em casa.

– Legal! Eu não tenho apelido. Meu sobrenome, Araújo, acabou não pegando. Uma época até chamavam, mas não pegou.

Rodrigo é apaixonado por violão, desde cedo demonstrou curiosidade pelo instrumento. Mas essa relação não virou profissão ou sonho artístico. Apesar do talento para compor que mostrou durante sua apresentação, Rodrigo mantém uma relação de amizade colorida com o violão, talvez possa ser dito assim. Não há cobrança de nenhuma das partes para que haja mais empenho nos estudos ou algum retorno financeiro com essa prática. É puro prazer! Também o presenteei com o EP “DIAS DE PAZ”.

Chamados à sala somos orientados a sentarmos em circulo, formato ideal para que a interação seja completa. Luis abre os trabalhos explicando a intenção da Violonada proposta por ele. Depois nos conta da sua trajetória ao violão, passando pela formação acadêmica na UNICAMP. É músico profissional com técnica apurada para executar lindas peças clássicas e ao mesmo tempo desenvolver um trabalho fantástico dentro do universo popular. Eu estava bem ao seu lado e observei, quase hipnotizado, sua linda postura ao tocar. Seus dedos passeando com facilidade entre as cordas era um lindo bailado que poderia ser apreciado por horas, além do som limpo de cada nota executada com estrema perfeição.

Luis Aranha (por Priscila Cunha)

Luis Aranha (por Priscila Cunha)

“Como tocar depois da apresentação desse cara?”, pensei um pouco nervoso e consciente das minhas limitações como violonista. Mas essa difícil tarefa ficou para a Isabel, pequena aluna do Luis. Não vou saber dizer sua idade, mas imagino que deve ter lá seus 9 anos, ou um pouco mais. Ela não conseguiu vencer a timidez para tocar e cantar pra gente uma música da Anitta. Era sua primeira apresentação em público. Mas com o apoio do paizão que estava presente, e do seu professor, Isabel tocou uma música da Legião Urbana. Ela também ganhou um EP “DIAS DE PAZ”, impossível não me render a essa garotinha e seu violão. Espero que sirva como incentivo para que persista estudando e vivendo intensamente a música, a arte e a cultura.

Após presenciar a estreia da pequena Isabel, fui convidado a dar sequência na Violonada. Mais relaxado e inspirado pela apresentação dela, me senti à vontade para dizer da minha relação intuitiva e autodidata com o violão desde muito cedo. Tenho ele como extensão do corpo que ajuda a expressar a essência do meu ser. Esse instrumento sempre fez parte da casa, como um móvel ou eletrodoméstico indispensável para o mínimo conforto, comparável a necessidade de uma cama para descansar, um sofá para relaxar ou um fogão para nos alimentar.

Antes de tocar a primeira música disse: “Isabel, agora vou tocar uma música minha que tem apenas dois acordes, um a menos do que a música que você tocou. Viu só como você é boa?”. Foi possível ver seu sorriso tímido em meio a tentativa de se esconder. Só não sei se tentava se esconder por timidez ou se por medo desse moço cabeludo e barbudo. (rs)

Isabel acompanhada de seu pai e o prof. Luis (por Priscila Cunha)

Isabel acompanhada de seu pai e o prof. Luis (por Priscila Cunha)

“Além do Espelho” é apresentada nos shows em um momento reservado para mostrar minha música como ela veio ao mundo, revivendo o momento da composição: só o violão e eu no palco. Me dispo de qualquer produção mais elaborada e entrego toda minha essência ao público. Totalmente pertinente à proposta da Violonada. A escolha por ela também se deu para dizer sobre a vocação do violão para instrumento democrático. Meu negócio são as palavras, e dois acordes têm sido suficientes para que essa canção emocione quem a toca e quem a ouve.

Na hora de tocar a segunda canção a dúvida: tocar a música que estava prevista, “Não deixe de viver”, que também faço só voz e violão nos shows, ou aproveitar o clima intimista para apresentar uma música nova que havia composto dois dias antes? A empolgação com a música nova me fez optar por ela. Provisoriamente intitulada “Oi, tudo bem?”, ela aborda a complexidade da vida e diz que “a vida não é simples, não”, refletindo exatamente os sentimentos do desabafo feito no início do texto. O Luis ficou feliz por eu ter compartilhado, com exclusividade na Violonada, a minha criação mais recente. Exatamente como propunha o evento, a troca íntima e espontânea. Surpreendi a todos e a mim mesmo. (mais sobre a música nova no final do post)

Rodrigo foi o próximo, e nos fez rir ao dizer, de maneira bem-humorada, que na dúvida do que tocar preferiu optar por mostrar duas músicas suas ao invés de estragar a música dos outros. Sem pretensão de fazer desse o seu meio de vida, nos contou que toca mais aos finais de semana. Criativo em suas composições, nos apresentou duas cartas musicadas, uma delas inspirada nas discussões sobre futebol com um amigo japonês que gosta de esquemas táticos retranqueiros. Os acordes e estilo inspirados no melhor da Bossa Nova.

Rodrigo e Tânia (por Priscila Cunha)

Rodrigo e Tânia (por Priscila Cunha)

Na sequência Daniel contou sobre a afinação diferente do seu violão, bem mais grave.  Se não me engano em si bemol (alguém que foi ao evento, e agora lê esse texto, me corrija caso esteja errado). Um som cheio, gordo! Muito bonito! Disse que adora experimentar e buscar novas sonoridades. Além de garantir que ninguém vai pedir seu violão emprestado. (rs) Algo que também o limita, já que em muitos casos não consegue tocar as músicas compostas nesse violão em violões com afinação padrão. Nos deu uma aula sobre texturas musicais e a possibilidade de fazer da composição um exercício diário. Colega do Luis na UNICAMP, Daniel também é músico profissional. Sua técnica de violão é incrível! Com melodias envolventes e lindos caminhos harmônicos encantou a todos.

Edu Sereno observava tudo com atenção, até que chegou sua vez de falar, tocar e cantar. Disse que se reconheceu um pouco em mim, que sua relação com o violão era também mais intuitiva e de suporte para dar vazão às suas palavras. Mas ao contrário de mim, Edu havia se dedicado ao estudo do instrumento na adolescência. E se tudo tivesse saído conforme o planejado, provavelmente teria sido colega de Luis e Daniel na UNICAMP. Almejava ser um grande violonista. Porém, confessou que estudava, estudava, estudava e nada acontecia. E se dedicação não faltava, uma tendinite estabeleceu definitivamente que sua relação com o violão seria menos intensa do desejou inicialmente. Se colocando de maneira naturalmente bem-humorada ganhou a simpatia e atenção de todos. Um cara muito massa, para me expressar como ele.

Terminado esse roteiro inicial traçado por Luis, a Violonada seguiu de maneira totalmente espontânea. Tocamos mais algumas músicas e o bate papo rolou solto. Quando pensei estarmos próximos das 22h30, horário previsto para o fim do evento, já eram na verdade quase 23h30. Estava um clima delicioso, nem percebemos o tempo passar. Acabamos fechando a escola. (rs)

Na esqueda Daniel Conti e na direita Luis Aranha (por Priscila Cunha)

Na esquerda Daniel Conti e na direita Luis Aranha (por Priscila Cunha)

O sono naquele dia foi sem angústias. Foi um sono tranquilo, com a certeza de que vale a pena seguir nessa caminhada musical que tem me proporcionado viver momentos como essa Violonada, onde a arte se manifestou de maneira plena e essencial. Gratidão ao Luis, pelo convite, e a todos os presentes por abrirem seus corações para minha música e me encantarem com a arte de vocês.

Música nova

Se você chegou até aqui será recompensado com a letra da minha nova música, feita no fim de semana passado, e poderá assistir com exclusividade a um vídeo caseiro que fiz para registrar a ideia. O vídeo está oculto em meu canal do YouTube, só será possível assistir por aqui. (use fone de ouvido)

Letra

– Oi, tudo bem?

– Não! A vida não é simples, não. Escolhas a cada minuto, não é mole meu irmão. Quem diz que a vida é simples vive em contradição.

Não sei o que fazer pra uma vida simples viver
Acordar todos os dias ao seu lado e apenas do amor sobreviver
São contas que não param de chegar, o pé então o chão volta a tocar
Lágrimas fazem perceber que a vida não é simples de viver

A vida não é simples, não
A vida não é simples, não
A vida não é simples, não
A vida não é simples, não

Quem diz que a vida é simples vive em contradição

Perguntas que não param de rondar, sem respostas você vai paralisar
Difícil é compreender vidas em bolhas só com o próprio bem querer
Um mundo com suas 7 maravilhas contrastando com suas ruas e esquinas
Lágrimas fazem perceber que a vida não é simples de viver

A vida não é simples, não
A vida não é simples, não
A vida não é simples, não
A vida não é simples, não