Já faz um tempo que não escrevo nada para o Blog! E mais uma vez isso me trouxe angústia e uma cobrança desmedida. Culpa do sentimento de “não estou fazendo nada” associado à realidade cada vez mais frenética da vida, que nos cobra uma atitude, uma novidade, um posicionamento, o sucesso a cada segundo. Não se pode vacilar, é preciso estar no topo o mais rápido possível, num instante. E mesmo que a justificativa para tamanho descaso e lentidão sejam problemas de saúde na família nas últimas semanas, ou à distância e saudade da pessoa amada que te incentiva e apoia a todo o momento, ou ainda a simples necessidade de respirar mais profundamente para relaxar e encontrar a paz interior, nada disso servirá para aqueles que anseiam por novas notícias com a mesma velocidade em que um pingo de chuva se sobrepõe ao outro durante uma tempestade. No máximo soará como desculpa esfarrapada.
Não bastasse o cenário totalmente desfavorável ainda vou contrariar a lógica, que na certa esperaria que eu escrevesse a segunda parte do post anterior – “Do pré-lançamento ao lançamento (parte l)” –, mas peço licença para expor algo maior, e que me aflige muito mais neste momento. O relato sobre o show de lançamento tem sua importância, por sinal muito grande, mas será mais bem ilustrado com o vídeo registrado durante a apresentação (que se encontra em fase final de edição). Portanto, o texto a seguir cumprirá três funções básicas: aliviar minha angústia pelo hiato demasiado entre a última publicação e esta; alimentar o anseio daqueles sedentos por novidades; e revelar minha atual aflição (que sempre existiu e continuará a existir).
O sonho era o de gravar minhas músicas. Registrar minha alma e essência. Achei que essa seria a parte difícil de viver da música. Afinal, precisa de uma grana considerável para tirar essa ideia do papel. Lógico que sempre ouvi que era difícil viver da música. Mas poxa, com seu trabalho na mão, um material de qualidade e contando com o apoio dos amigos para ajudar a divulgar, irem aos shows e incentivarem, o resto todo parecia mais fácil. Doce ilusão! Devia ter aprendido desde a época de bandas covers nos barzinhos que não é bem assim. Mesmo em menor escala, a decepção com a estrutura e o público naquela época era retrato idêntico dos tempos atuais com o trabalho próprio nas mãos.
Mas parecia mesmo que seria tudo bem diferente daquela época. Nem em meus melhores sonhos imaginei um lugar tão legal para fazer o show de lançamento do meu EP. Um lindo teatro com estrutura profissional. E o melhor: tinha a parceria da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, entrada gratuita e dois dias de show. O teatro tinha capacidade para 180 pessoas, o que somavam 360 lugares para o sábado e o domingo.
Poxa, os quase 400 amigos do Facebook seriam suficientes para encher os dois dias de show. Que fossem apenas os poucos mais de 200 fãs da Fan Page (na época), já seria uma boa perspectiva de público. E a felicidade era poder dar a opção de escolha para as pessoas, já que talvez algumas não pudessem ir no sábado, mas poderiam ir no domingo, e vice-versa. Além dos meus amigos, teriam os amigos dos amigos, que acreditei divulgariam meu trabalho e fariam questão de levar as pessoas para me prestigiarem e apoiarem. Tinham também os familiares, amigos dos familiares… Era muita gente sem que eu precisasse fazer qualquer esforço para divulgar. Mesmo assim foram madrugadas chamando um por um, enviando e-mails para sites, revistas e jornais com agendas culturais. Os shows foram notícia em vários lugares. Que felicidade, que ansiedade para comungar desse momento com pessoas tão queridas. Mas não foi exatamente assim! Não me abati, pelo contrário, fiquei muito feliz e fiz desses shows os momentos mais emocionantes da minha vida até aqui, e terei o prazer de relatar isso na segunda parte do post “Do pré-lançamento ao lançamento”, em breve.
Na hora em que a gente sobe no palco nem pensamos nisso. Pelo menos comigo foi assim. Dei o melhor de mim e fui muito feliz durante os minutos dos shows! Senti-me eternamente grato aos presentes. Mas ao passarem os dias, com o distanciamento da euforia da realização de um sonho antigo, comecei a me questionar sobre a ausência das pessoas. Aquilo tudo não foi feito pra mim, mas sim para vocês. Meu esforço é para tocar o coração das pessoas. Quero um mundo melhor para elas. Ali a ficha caiu e o velho jargão do meio musical fixou de vez na cabeça: “Não é fácil viver de música”.
Todo o esforço que fiz até agora me fez mover um único grão de areia de um deserto inteiro que ainda terei que atravessar. E por mais que eu tentasse me culpar de algo, por mais que eu questionasse minha competência, não havia necessidade disso. O erro não é meu! Essa foi outra ficha que só caiu agora, quando me permiti um fim de semana ao lado de artistas independentes em situação igual, anterior ou mais evoluída que a minha. Percebi que a amizade, e até mesmo os laços familiares, não obrigam as pessoas a gostarem e apoiarem seu trabalho. Não se pode contar com isso! Por isso passei a valorizar ainda mais as pessoas que têm me apoiado e estado ao meu lado até aqui.
Na sexta-feira passada, 25 de outubro, fui conferir o show do amigo Arnôh, cantor e compositor com dois discos lançados. Nos conhecemos de maneira inusitada. Ah, nem tanto se tratando de uma cidade como São Paulo. Mas essa é outra história… Quem sabe não ganhe um post? Bom, seguindo meu relato, fui ao seu show e levei meus pais para apreciarem a apresentação de um artista na sua essência, sem rabo preso ou qualquer preocupação desse tipo. Total domínio da sua obra e mensagem. O show fechava o ciclo de uma mini turnê pelos espaços culturais do Sesi SP. Bela estrutura, entrada gratuita, ótimo dia e horário, tudo o que se pode querer para atrair os amigos para uma bela celebração de arte. Mas não foi o que se viu!
O artista, como sempre, nem se dá conta disso, sobe ao palco e se despe da carne, expondo sua alma de forma tão verdadeira que faz arrepiar. No bate-papo após o show constato que a dificuldade não é só minha, que estou começando. Para contar com aquela estrutura não foi fácil. Arnôh precisou se articular com a ajuda de terceiros. E nos encontros da noite sou apresentado ao também cantor e compositor Dudy Cardoso, que traz no currículo, além do grande talento, o “emprego” de compositor e parceiro do Biquíni Cavadão e a indicação ao Grammy Latino 2013 para concorrer ao prêmio de melhor música brasileira. Pensei: “Ah, vou ouvir coisas boas desse cara sobre como é viver da música”. Mas não foi bem assim! A história se repetiu: dificuldade para gravar, para arranjar lugares bacanas para tocar e o público. Fiquei remoendo os fatos daquela noite, lembrei-me dos shows de lançamento do EP e o sono foi embora. Perdi para a angústia e a ansiedade. Questionei o caminho que escolhi e como poderei sobreviver em meio a tudo isso.
No domingo, dia 27 de outubro, fui aos shows dos amigos Daniel Lima e Anderson Oldoni, da banda “Ao redor”*, e dos parceiros Yanick Melo e Luciano Rocha, do projeto “Stereo Bago Team”. Dessa vez a entrada era paga, mas totalmente justificada, pois toda a organização e estrutura foram feitas pelos artistas, que deveriam era se preocuparem apenas com a expressão da sua arte. Mas enfim, sabemos que não funciona desse jeito. É preciso arregaçar as mangas e correr atrás. Não acompanhei a correria de perto, mas o amigo Daniel me relatou tudo. Sei bem o que passou e o quanto suou para fazer acontecer. Já fiz isso tudo também, e sei que terei que fazer muitas vezes mais. Feliz de vê-los no palco mandando suas verdades para quem quisesse ouvir. O sorriso era aberto e sincero, refletindo luz e muita energia positiva. Cenário totalmente independente e sem qualquer possibilidade de descanso. Só aconteceu do jeito que foi pelo esforço próprio.
E se há semelhança nas dificuldades, no tremendo esforço e possível frustração de cada um citados neste texto, há mais semelhança ainda na alegria verdadeira demonstrada em cima do palco. A doação de corpo e alma ali em cima é maior do que qualquer equipamento carregado nas costas ou noites sem dormir para a divulgação do trabalho. A paixão pela arte, a certeza da felicidade verdadeira na realização de um sonho de vida, nos dá a força e a resistência necessárias para atravessarmos o maior dos desertos na esperança de encontrarmos um oásis onde poderemos nos banhar e refrescar para retomarmos a caminhada que, sabemos, nunca terá fim quando se trata de viver dignamente da música no Brasil.
*A banda “Ao Redor” ainda não tem material disponível na web, quando tiver um vídeo ou algum som dos caras atualizo o post 😉
Falo, meu amigo. Li com grande interesse ‘nossas palavras’ porque faço delas, as minhas. No facebook, fiz um comentario maior. Mas resumindo: agora continuar. Com meu livro, todos os dias me perguntava: vale à pena? Nao sei. Mas vou fazer do livro, da escrita parte de minha vida. E a arte deve ser. A vamos junts nos apresentar a um grupo de alunos em uma palestra. Vc com suas musicas e eu con munhas escritas.
Salve, Teacher e amigo Flávio,
Muito obrigado por ler o texto e compartilhar sua opinião e sentimentos.
Acabamos conversando sobre esse texto no Facebook e esqueci de responder você aqui no Blog. Gosto de tornar pública minha gratidão com aqueles que me apoiam e me servem de inspiração, e com certeza não poderia deixar seu comentário sem resposta. Concluímos que a resposta para sua pergunta é: claro que vale a pena! E é óbvio que não estamos falando aqui de retorno financeiro, mas sim de levar adiante nossa arte fazendo dela ferramenta capaz de verdadeiras transformações sociais, culturais e emocionais nas pessoas. Vamos seguir =)
Espero estar logo ao seu lado para experimentar dessa experiência junto aos alunos. Oportunidade para ver, em tempo real, o potencial transformador das nossas artes.
Grande abraço!