A madrugada avança e eu me encontro em puro estado de graça, ao mesmo tempo em que os pensamentos frenéticos me levam a quase enlouquecer de tanta ansiedade por mais uma etapa vencida no dia de hoje: matriz do CD entregue na fábrica para iniciar a prensagem. Como todo o processo até aqui, com percalços que desanimam por um instante, mas nada que mais uma audição das minhas músicas não despache e faça crer que algo de muito bom está reservado para mim, e para todos aqueles que me cercam com seu carinho e apoio nestes momentos de dificuldades que permeiam a busca incansável do amor pleno de viver a vida com um só objetivo: “Despertar” no coração de todos a mesma sensação maravilhosa que me enche o peito a cada suspiro, e renova a esperança de “Dias de paz”.

Uma sensação que parece desgrudar meus pés do chão e elevar, por um instante, meu corpo em suspensão no ar. Estou flutuando! Foi sempre essa a sensação ao final da música “Despertar”. Ainda em sua versão inicial e íntima, mesmo sem a letra decorada e em fase de construção, sua melodia e acordes eram executados de olhos fechados, sentado à beira da cama, de posse do som singelo de meu violão. Lembro que foi uma “batalha” garantir o lugar dessa música no EP. O Paulo Gianini me convenceu de que ela merecia investimento, uma produção à altura da sua mensagem grandiosa e desfecho apoteótico. Mas como ter isso com um orçamento limitado e diante da perspectiva de um simples “cartão de visitas”? – esse é o tratamento dado ao primeiro trabalho de um artista independente.

O EP tem como função abrir caminho em uma mata fechada, qual o facão, que mesmo sem corte, tem de rasgar fendas a base de muita transpiração. Mas se não há como escapar do transpirar abundante, porque não garantir que o fio do facão esteja afiado desde o início para que o caminho não se feche as costas? Talvez haja muito valor no que fique para trás, e melhor ainda, aqueles que te seguem poderão fazê-lo sem medo de ter ricochetado na face um galho de um arbusto mal cortado. Tudo isso para dizer que por falta de empenho nenhuma música deixaria de estar presente nesse meu trabalho de “estreia”. E muito menos que esse ficará esquecido sob produções futuras que possam seguir do meu apogeu. Decidi dedicar toda a qualidade que me foi possível empregar neste momento, assim como o farei no futuro.

E se era preciso fazer as pessoas flutuarem ao ouvir “Despertar”, tinha a condição de fazê-lo juntamente com Renato Pereira. Ousada e cara a necessidade de contar com cordas orgânicas no projeto, foi a primeira conclusão. Mas a ideia amadureceu e eu tinha, mais do que o músico certo para isso, um amigo que faria desse sonho uma linda realidade. Conheci o Renatinho nos tempos de Fabulosa Banda do Curinga. O grupo tinha como característica marcante belas linhas de violino. Eu, recém integrado ao grupo, demorei para desfrutar desse som erudito em meio ao pop rock que fazíamos. Desfalcada de seu violinista, a Fabulosa procurava por alguém que executasse o que estava no disco. Mas para nossa sorte o Renatinho era muito mais do que um reprodutor sonoro.

Renatinho era um criativo que a tudo ouvia e por tudo era inspirado. Achava que essa história de ouvido absoluto era lenda entre os músicos. Talvez um ouvido bem treinado pudesse reconhecer, com alguma concentração, as notas musicais dos sons ao seu redor. Mas a lenda se materializou em minha frente durante os ensaios e as conversas. Era musicalidade pura, improviso sem fim e muito suingue. Técnica apurada, escrita e leitura características de um músico erudito, mas também o traquejo e versatilidade de um músico da noite – http://goo.gl/I7sbC. Humilde e de uma leveza no trato me cativou rapidamente, ao mesmo tempo em que se manteve reservado. Não nos foi proporcionada uma convivência de amizade mais íntima, mas era inegável e surpreendente a empatia que sempre nutri por esse cara.

Na música tínhamos nosso relacionamento escancarado, de sorriso na cara e muita gana ao tocar, característica marcando em ambos. E foi justamente a ele quem recorri quando me encontrei diante de tamanho desafio orçamentário e estrutural. Depois de dias, que viraram semanas, tentando contatá-lo, aliás, outra particularidade no relacionamento com o Renatinho: ele tem uma rotina e ritmo que nunca foram conhecidos por mim, ou qualquer outro membro da Fabulosa. Desencanado e até mesmo impossibilitado do acesso aos meios virtuais de comunicação, pareceu também nunca dar muita atenção ao celular. Mas de uma maneira ou de outra ele sempre aparecia onde deveria estar no dia e hora marcados. E assim também foi sua participação em duas, das cinco músicas, do EP.

O quarteto de cordas, coordenado por ele, foi de fundamental importância para o resultado que sempre me faz arrepiar e encher os olhos d’água ao ouvir “Despertar” e surpreende em “Dias de paz”. Nunca o afiar de um facão soou tão agradável como naquele segundo dia de gravação no NaCena Studio.

– Este post e agradecimentos especiais também são dedicados para: Michelle Eufrásio, Bruno da Silva e Douglas Pereira.