Novamente diante da desafiadora tela branca esperando para ser preenchida me aflijo e não sei por onde começar. Ainda mais quando os pensamentos cobram o porquê da demora em relatar os shows de lançamento. Não sei explicar a mim mesmo o motivo, talvez quisesse esperar um momento de calmaria, onde pudesse dedicar atenção absoluta para lembrar os mínimos detalhes daqueles dias tão especiais. Mas depois de mais de três meses os detalhes já foram tão bem trancados na memória que fica difícil acessá-los, e com certeza não vivo um momento de calmaria.

O final de ano é o momento natural de reflexão. A cabeça e o coração se enchem de lembranças, renovam-se a esperança, os sonhos e as metas para a vida que seguirá em 2014. A retrospectiva se impõe e me dou conta do quanto trabalhei e realizei no ano de 2013. Janeiro começava repleto de expectativa e nervosismo com as datas das gravações confirmadas a partir do dia 08/01/13. Pela primeira vez toquei meu violão, cantei com minha pequena voz e coloquei minhas composições diante da pressão sonora de uma banda completa. Foi preciso soltar a voz, chutar a timidez e desconfiança para longe. Me fizeram crer ser digno de estar a frente de músicos tão competentes¹ e cantar sem medo minha mensagem.

Os dias no estúdio com certeza são parte especial da minha vida até aqui. Ali se extinguiram quaisquer dúvidas sobre o que gostaria de fazer até o fim dos meus dias. A música já habitava em mim mesmo antes do nascimento, mas naqueles dias experimentei o prazer que há em se fazer o que ama de maneira profissional, experimentei a realidade de um sonho almejado por todos: garantir seu sustento com amor. O trabalho realmente se torna prazeroso e já não há distinção entre profissional e pessoal, ainda mais quando falamos de arte, onde se espera ter do artista a entrega total da sua alma e sentimentos em benefício da reflexão e da transformação emocional e social das pessoas tocadas por sua manifestação. A via é dupla, meus sentimentos são doados esperando que ecoem e voltem renovados inspirando novas composições.

Mas o artista independente não se pode dar ao luxo de apenas preocupar-se com a sua arte, é preciso enfrentar a burocracia exigida para o lançamento oficial de sua obra. Poderia não ter me preocupado com isso, poderia ter seguido acreditando na música pela música. Mas me descobri artista completo, artista que estabelece conceito, artista que tem discurso, artista comprometido com a sociedade e que valoriza seus parceiros, amigos e familiares. Envolvi muita gente nesse projeto para me contentar só com um botão de play em uma rede social na internet. Então lá fui eu descobrir passo a passo os processos para a prensagem do meu EP e também garantir a existência de um site completo e uma linda arte para o projeto. As dificuldades e trabalho duro dessa fase se juntaram a expectativa de ouvir o resultado final das músicas que ainda estavam sendo mixadas e masterizadas. Período difícil!

E em agosto, finalmente, o projeto de uma vida está ao alcance das mãos: recebo os EPs em casa! Foram dois anos de dedicação, planejamento e muito trabalho! E as notícias boas não paravam: os shows de pré-lançamento e lançamento oficial do EP estavam confirmados. Que felicidade! Meu sorriso e lágrimas se repetiam naqueles que estiveram ao meu lado apoiando e acreditando. Como é bom tornar um sonho realidade, ainda mais quando o gosto salgado no canto da boca passa de suor para lágrimas de felicidade. Todo o esforço é recompensado!

E se o show de pré-lançamento permitiu toda essa troca e exposição, os shows de lançamento seriam o momento da afirmação. Um mês de preparação e a certeza de um lindo espetáculo se confirmou. Nem nos meus melhores sonhos ou em todo o planejamento que fiz para o projeto imaginei contar com uma estrutura tão bela e profissional para o lançamento oficial do meu EP. Não foi fácil achar o local. Feita a encomenda dos CDs para a fábrica e com a previsão de entrega do material confirmada comecei a pensar no lançamento. Tinha que ser em um teatro, disso eu não abria mão. Minha música pede um ambiente sem dispersão, onde a arte tenha 100% da atenção do público.

Pesquisa rápida na internet e uma lista é feita. A locação parecia ser a estratégia perfeita, mas predominou o “NÃO”, e quando a possibilidade se mostrava possível esbarrava nos valores altos demais =(. A apreensão passou a me incomodar. Meu desejo era que o show de lançamento oficial acontecesse exatamente um mês depois do pré-lançamento, mas o prazo era cada vez menor. Passei então a trabalhar com o objetivo de conseguir uma data ainda em 2013. E se os locais particulares se mostravam pouco interessados ou muito caros para o meu bolso, resolvi tentar os espaços públicos, mesmo consciente de que naquela altura do ano, provavelmente, já não haveria mais agenda e tão pouco verba para contratarem meu show.

Depois de muitos telefonemas chego até a programadora musical da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, Katia Bocchi.

Théo: “Alô! Katia Bocchi?”

Katia: “Isso! Quem fala?”

Théo: “Aqui é o Théo, sou músico e compositor e estou procurando um lugar para fazer o show de lançamento do meu EP. Entrei em contato com alguns teatros públicos e me disseram para procurar por você.”

Katia: “Ah, sim! Sou eu mesmo quem cuida da programação musical dos teatros e espaços públicos. Mas infelizmente minha verba e editais para contrações de shows para esse ano acabou. Ainda tenho algumas datas livres, mas estou trabalhando em esquema de parceria.”

Théo: “Parceria?”

Katia: “Isso! Funciona assim: a Secretaria sede o espaço, os profissionais do local e a divulgação nos seus veículos sem qualquer custo. O organizador arca com os valores de produção do espetáculo como, por exemplo: transporte, alimentação, cenário, cachê dos músicos, etc. A entrada do público deve ser gratuita. Te interessa?”

Théo: “Estou interessado na parceria. Só de não ter que arcar com a locação me alivia muito. Meu orçamento cobre os custos de produção. Como fazemos?”

Katia: “Você já está com o CD?”

Théo: “Não! Chega na semana que vem.”

Katia: “Então vamos fazer assim: quando chegar o CD você liga e marcamos uma reunião para me apresentar o trabalho e vermos se ainda há disponibilidade para realização do show em 2013.”

Fiquei muito animado com a simpatia e generosidade da Katia. Na terça da semana seguinte chegaram os EPs. Depois de abrir a caixa para conferir, de dar um CD ao entregador como forma de retribuir minha felicidade e gratidão por ele ter transportado meu sonho até mim, de compartilhar sorrisos e lágrimas com meu pai e meu irmão que estavam em casa comigo naquela hora, de ligar eufórico para minha mãe para contar-lhe logo a notícia, liguei para a Katia:

Théo: “Katia? Aqui é o Théo! Lembra de mim? Nos falamos na semana passada e você me pediu para retornar quando estivesse com o CD em mãos. Estou olhando para ele! rs”

Katia: “Que ótima notícia, Théo! Parabéns!”

Théo: “Obrigado! Quando podemos nos falar?”

Katia: “Hoje é terça. Que tal na quinta às 16h? Você pode?”

Théo: “Para mim está ótimo! Quinta às 16h! Estarei aí!”

No dia e na hora marcados fui recebido com o sorriso aberto e abraço generoso da Katia. O CD que levei como material para apresentar o trabalho acabou sendo dado de presente, com direito a dedicatória em gratidão. A Katia adorou meu trabalho, tanto a música quanto todo o conceito e cuidado empregado no projeto. Com a qualidade do espetáculo garantida para o público passamos, enfim, a procurar uma data e local adequado ao show de lançamento do meu EP. E para minha surpresa sou questionado: “Théo, tenho os dias 21 e 22 de setembro livres no Teatro Décio de Almeida Prado no Itaim, o que acha?”. O sorriso estampou minha cara e as pernas tremeram, dia 21 de setembro seria exatamente um mês depois do pré-lançamento, como era meu desejo =)! Dia 21 de setembro também era exatamente uma semana depois do meu aniversário, o dia do início da primavera em 2013 e o “Dia Internacional da Paz”. Coincidência?

Minha crença na administração e trabalho públicos se renovou nesse dia, não por eu ter sido pessoalmente beneficiado, mas por ver diante de mim uma profissional comprometida com a difusão da cultura e realizando sua função com cristalina alegria e entusiasmo. Que felicidade =)

Ainda no ônibus, voltando para casa, já liguei para a coordenadora do Teatro e marquei uma visita técnica para o dia seguinte. Acompanhado do Paulinho, amigo, produtor e músico, os olhos brilharam ao constatarmos a beleza aconchegante e estrutura do local. Muitos planos! Mas também muito trabalho pela frente: contas para arcar os custos de dois shows, elaboração de arte para projeção, divulgação, registro fotográfico e em vídeo, planejamento do cronograma, logística, etc.

O trabalho duro começou cedo no dia 21 de setembro. Relembrei até meus tempos de baterista ao dar início a montagem da bateria. A atmosfera daquele Teatro vazio, os cuidados com o som, os testes de luz e projeção eram a realização de um sonho. Estava vivendo tudo aquilo que sonhei! O nervosismo aumentava com o passar do tempo. No camarim nada faltava: comida, bebida, aconchego e felicidade, tinha tudo lá.Tudo conforme o planejado e oferecendo o maior conforto possível a todos os envolvidos. E mesmo cercado de tantas pessoas não era raro me sentir só, refletindo sobre o caminho percorrido até ali e o tamanho dessa conquista. O pensamento era só um: dar o máximo e retribuir com muito carinho aqueles que estariam na plateia dando seu apoio.

“Foi lindo e emocionante!”. Essas foram as palavras que mais ouvi entre os abraços e cumprimentos ao final dos shows. A voz embargada nas primeiras músicas, a exibição do mini documentário e as palavras ditas do fundo da minha alma e coração ainda me emocionam. A certeza de ter dado o meu melhor me fez deitar a cabeça no travesseiro totalmente realizado, apesar do cansaço. E se o tempo de sono não foi suficiente para me recuperar totalmente do cansaço de sábado, a alegria em despertar para mais um dia de show me deu enorme força e motivação nunca sentida antes para um dia de trabalho em pleno domingo. O desejo foi de que todo fim de semana fosse assim! Vou continuar na luta para esse dia chegar. Não vou esmorecer diante das dificuldades e sei que o esforço trará um 2014 ainda mais repleto de conquistas e felicidades para mim e todos que estiverem ao meu lado =)

Minha gratidão eterna aos funcionários do Teatro Décio de Almeida prado e todos que compareceram e compartilharam desses dias que, com certeza, foram os mais especiais e importantes da minha vida profissional, artística e de realização pessoal. Assim encerro meu relato sobre os shows de lançamento do EP e pequena retrospectiva de 2013. Meus votos e desejo de um 2014 cheio de “Dias de paz” para todos =)

¹ textos em homenagem aos músicos e amigos: Paulo Gianini, Flávio Hernandes, Maurício Hoffmann, Rafael Reis, Guga Machado e Renato Pereira.